16 de fevereiro de 2011

Editorial IX

Sobre reformas estatutárias no Grêmio e a incompetência do Conselho Deliberativo para promovê-las

(Texto endereçado especialmente, ainda que sem reservas, a operadores do direito em geral e recém iniciados nessa área)

Transcrevemos, abaixo, pleito (com parecer) da lavra de nosso assessor jurídico, dr. Antonio Carlos de Azambuja, à mesa do Conselho Deliberativo do Grêmio, por ocasião da pretensão de reforma estatutária do clube, em junho de 2009, tendo por objeto questão de ordem, preliminar, relativa à incompetência do órgão para promovê-la, tudo pelas razões que enuncia.

Por relevante, impõe-se aditar que nem a dita questão de ordem – retirada por conveniência do subscritor – e nem a matéria de fundo, cláusula de barreira – falta de quorum - alcançaram êxito naquele dia.

Incumbe, também, acentuar preventinamente que o fato do registro dos estatutos do clube no Cartório de Registro Especial, alcançado na reforma e na revisão de 2004/2006, não chancela o diploma com o selo da validade, contemplando-o com a incolumidade jurídica. Tal registro, à vista das condições da sua aprovação, tem eficácia restrita à teoria da aparência, útil tão somente para resguardo da boa-fé de terceiros. E só.

Eis o texto.

“Porto Alegre, 10 de junho de 2009

Exmo. Sr.

Dr. Raul Regis de Freitas Lima

DD Presidente do Conselho Deliberativo do

Grêmio Futebol Porto-Alegrense

Largo Fernando Kroeff, nº 01

NESTA CAPITAL

(Em mãos)

Prezado senhor Presidente:

Tendo em vista os termos do Edital de Convocação do Conselho Deliberativo do Grêmio Futebol Porto Alegrense, subscrito por essa Presidência e divulgado publicamente nas edições jornalísticas do dia 05/06/2009, com aprazamento para 15 e 30 do corrente mês de junho, venho, na condição de membro titular integrante daquele sodalício, levantar Questão de Ordem e como preliminar, a ser formulada previamente, nos referidos eventos, à análise e deliberação do mérito dos temas ali enunciados, encaminhando pedido a V. Sª, de que seja lido e submisso à consideração do plenário no momento apropriado das reuniões, ou seja, tão logo anunciada a pauta do dia.

Trata-se do seguinte.

QUESTÃO DE ORDEM

1. Falece competência ao Conselho Deliberativo para aprovar alterações estatutárias no GFPA.

2. Eventual análise e acolhimento do mérito pelo plenário implicará em ato nulo de pleno direito.

Trata-se, conforme Edital ( arts 65, XVII, e 69, II, letra “b”, e § 8º, letra “c”), de exame e aprovação de alterações estatutárias nessa associação brasileira, de caráter sócio-desportivo.

Devem, conforme o anunciado, efetivar-se posteriormente à 11/01/2007, data da entrada em vigor dos dispositivos da Lei 11.127, de 28/06/2005.

Dispôs o Código Civil ( Lei 10.406, de 10/01/2002), em seu artigo 59, inciso II, que compete privativamente às Assembléias Gerais (corpos associativos) alterar estatutos das associações em geral (inclusas, naturalmente, as do tipo sócio-desportivo).

Dispôs, também, que seus preceitos gerais entrariam em vigor a partir de um ano de sua publicação. Portanto, em 10/01/2003 (artigo 2044).

Dispôs, ainda (artigo 2031) que os preceitos específicos pertinentes às associações em geral, diferentemente das normas outras, entrariam em vigor a partir de um ano, contado da data de vigência do novo Código (10/01/2003). Portanto, em data de 10/01/2004.

Saliente-se, por oportuno, que, independentemente dessa prorrogação estabelecida, se as modificações dos atos constitutivos dessas associações ocorressem antes desse termo final de prorrogação, reger-se-iam, desde logo, pelos preceitos daquele Código ( artigo 2033)

A redação original desse artigo 2031 foi alterada depois, mercê dos dispositivos da Lei 10.838, de 30/01/2004, a qual dispôs que as associações, constituídas na forma das leis anteriores, teriam o prazo de 2 (dois) anos para se adaptar às disposições deste Código, a partir de sua vigência (10/01/2003), portanto, não mais em 10/01/2004, mas em 10/01/2005.

Este termo, depois, foi mais uma vez prorrogado, conforme os preceitos da Lei 11.127, de 28/06/2005, passando as adaptações aos princípios expostos no artigo 2031 do CC serem passíveis de efetuar-se até a data de 11 de janeiro de 2007.

De forma que, desde essa última data, encontram-se definitivamente em pleno vigor – independentemente dos preceitos do artigo 2033 do CC - os dispositivos do aludido artigo 59, II, do Código Civil, que determinam ser competentes para a promoção e aprovação de quaisquer alterações estatutárias, em todas as associações brasileiras, inclusive o Grêmio, as Assembléias Gerais.

No ponto, desimporta o que, a respeito, constam dos estatutos do clube, editados antes ( 2004/2006) dessa entrada em vigor, que dispõem ser do Conselho Deliberativo essa competência. Além de elaborado e aprovado ao arrepio do artigo 2033 do CC, assentou numa interpretação elástica e concessiva do que significasse adaptações.

O que se estabeleceu ali, nos estatutos, não foi isso, mas uma efetiva modificação no comando legal emanado do referido artigo 59, II, do CC de 2002. por interpretação de que o mesmo encontrava-se com eficácia suspensa quanto a sua entrada em vigor, podendo, ainda (até 11/01/2007), tais alterações regerem-se pela legislação e normas anteriores ( inclusive os estatutos, no caso do Grêmio, os de 1983).

O fato é que não se poderia repassar, em 2004/2006, a outro órgão (o Conselho Deliberativo), as referidas incumbências (da Assembléia Geral), forçando a conciliação da velha com a nova ordem legal de forma conveniente aos interesses de minorias associativas.

Evidencia-se que se trata de conflito hierárquico – e não temporal – de normas, prevalecendo, obviamente, a lei sobre os estatutos.

Em conseqüência, não há como se afastar a incompetência do Conselho Deliberativo para promover as alterações estatutárias efetivadas em 2004/2006.

Ilegal ou legal, irregular ou regular a reforma de então, hoje, apresenta-se como fato consumado. Os estatutos alterados, incorreta ou corretamente, estão registrados e em vigência.

O que importa, aqui é o objeto da convocação constante do Edital ao início deste aludido: uma nova reforma estatutária.

A partir de 11/01/2007, qualquer que seja a interpretação que se dê aos preceitos do artigo 2033 do Código Civil, somente à Assembléia Geral incumbe examinar, considerar e aprovar tais reformas.

Fluiu o prazo a que, antes, se atribuiu como o de suspensão da eficácia do artigo 59, II, daquele Código.

De outra parte, seguro que a validade de qualquer ato jurídico, como o conjunto das alterações pretendidas, requer a sua não defesa em lei (CC. art. 104, III), mostrando-se evidenciadamente contra a lei a eventual aprovação e edição, pelo Conselho Deliberativo, da reforma estatutária prevista no edital supra mencionado.

Deliberação a respeito seria, portanto, nula.

Daí, a presente Questão de Ordem, emitida para consideração e deliberação na forma do mencionado no intróito.

É o que se requer.

ANTONIO CARLOS DE AZAMBUJA”

ADENDO PARA CONSIDERAÇÃO APENAS COMO SUBSÍDIO

Não colhe efeito a argüição de que a reforma e revisão de 2004/2006 teriam sido promovidas pelo Conselho Deliberativo em consonância com as regras estatutárias anteriores ( 1983), isto é, em representação do corpo associativo ( Assembléia Geral).

Teriam sido efetuadas as modificações mercê de poderes concedidos pelo último, sendo este o efetivo patrocinador delas e não o sodalício.

Essa representação inexistia, na ocasião.

Os Conselhos Deliberativos constituíram-se segmentos político-jurídico-administrativos internos das associações esportivas, criados e institucionalizados pelos itens 27, 30 e 31 da Portaria Ministerial nº 254, de 01/10/1941, do Ministério da Educação e Saúde, conceituando-se e definindo-se suas funções (e as dos seus membros) - com re-ratificação, depois, pela Deliberação 72/53, de 04/09/53 do Conselho Nacional de Desportos (CND), esta homologada pela Portaria nº 618, de 09/09/53, do Ministério da Educação e Cultura - como de intérpretes e emissários da vontade dos corpos associativos globais (Assembléias Gerais) dentro do contexto institucional das entidades.

Caber-lhes-ia essa incumbência - na composição e número de integrantes enunciados (entre 20 e 300) – ainda que inidentificado o instituto jurídico a que dizia respeito, então desconhecido do ordenamento legal.

As disposições dessas normas infra-legais foram, bem mais tarde, ratificados e aditados, pelos artigos . 1º da Lei 6251, de 08/10/1975 e 110 do Decreto 80.228, de 25/08/1977, acrescentando-se, aqui, no artigo 111 e §§, que as assembléias gerais de sócios teriam, restritivamente – salvo nas entidades com menos de duzentos integrantes - poderes apenas de eleger os Conselhos Deliberativos e decidirem sobre a extinção, incorporação ou fusão das associações.

A tudo isso, impôs-se - artigo 85 do últimoa obrigatoriedade dos estatutos dessas entidades conterem rigorosamente o disposto naquelas normas.

Aos referidos Conselhos, de existência compulsória agora já por determinação legal, reservou-se a competência para o exercício exclusivo de todos os demais poderes inerentes ao funcionamento dessas associações, inclusive, por óbvio, os de eleger a direção e de reformar estatutos.

Passaram, tais minorias associativas, a agir, assim, em nome das maiorias ( Assembléia Geral), inobstante a inexistência de outorga formal e privada de poderes por estas (representação, mandato, gerência), mas tão somente por imposição do Estado.

Tratavam-se, por similaridade, de verdadeiros e efetivos mandatos públicos ( anômalos, então, porque determinados em lei e não outorgado pelos mandantes) , e, por isso, em tese, naturalmente irrevogáveis, senão por lei.

Foram nesses estritos e rígidos moldes que se editaram os estatutos do Grêmio de 1983

Todos esses preceitos antigos, infra-legais e legais, foram derrogados pela Constituição Federal de 1988 ( artigo 24, IX, e § 1º e artigo 217, I ) bem como, infra constitucionalmente, pela Lei Zico, (artigo 71, da Lei 8672, de 06/07/1993).

Em conseqüência, as normas regentes das associações esportivas brasileiras deixaram, a partir de então, o âmbito do direito especial, onde se alojavam desde 1941, e voltaram ao regaço e submissão ao direito comum.

Observou-se, então, um vazio normativo no que respeita à regulação das atividades dessas especiais entidades, vez que irrecuperável a ordem anterior à especial, traduzida no Código Civil de 1916 (artigos 13 a 23), pelo princípio da repristinação, desacolhido por nosso sistema.

E mesmo que inaplicável este, há que se ter em conta que o direito comum ali embutido, no ponto, jamais concebeu, admitiu ou referiu à existência, composição e funções de Conselhos Deliberativos como instituições de direito, componentes de associações de qualquer gênero. Muito menos, seus poderes representativos dos corpos associativos.(Assembléias Gerais).

Tal vazio somente seria suprível por uma nova ordem jurídica, à conta do Estado, via legislativa.

Este, para fazê-lo, viu-se contingenciado, a partir de 1988, pelos princípios constitucionais que determinavam caber-lhe apenas, no âmbito das associações esportivas, a editar regras de caráter geral (CF, artigo 24, IX e § 1º), não podendo fazê-lo através de outras, de caráter específico ou pontual, tais como aquelas referentes a estruturação jurídico-política-administrativa interna daquelas, entre elas as sobreditas existência, composição, competência, funções e poderes dos aludidos Conselhos Deliberativos e suas relações com os corpos associativos globais.

Vale dizer, não poderia baixar lei, regrando quem ou como ou quando ou porque caberia , dentro dessas associações (clubes) , por exemplo, eleger diretorias ou aprovar, quiçá reformar, estatutos.

Tais vedações vieram convalidadas e explicitadas nos preceitos do inciso I, do artigo 217 da mesma Constituição Federal, que atribuíram às entidades de prática esportiva (associações) o direito exclusivo de regrar a sua organização e funcionamento.

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A derrogação devolvera às relações jurídicas privadas, o que a lei, antes, tinha reservado à tutela pública.

Fez-se necessário, por tal e desde então, a todas as associações desportivas do país, a recomposição particular de suas relações associativas intestinas, seja pela ratificação ou extinção dos preceitos estabelecidos nos estatutos editados anteriormente, seja pela sua retificação.

Impunha-se, pois, uma reforma estatutária, onde tais relações resultassem ajustadas à nova ordem.

No que competia ao Estado, a edição de regras a respeito veio encartada, muitos anos depois, no Código Civil (Lei. 10.406, de 10/01/2002 – artigos 53 e seguintes ), que enunciou , de forma global e para todas as espécies de associações (não somente para as desportivas), os lineamentos gerais de sua existência, natureza jurídica e etc.

De relevar, nesse novo Código, a introdução (Livro III, Título I, Capítulo II, artigos 115 e seguintes ) do instituto da representação por determinação legal, algo desconhecido na ordem civil anterior, onde os poderes inerentes originavam-se exclusivamente da outorga dos interessados ( administração, gerência, mandato e etc.) em livre manifestação da vontade.

[Com isso, identificou-se finalmente, depois de muitas décadas, a efetiva natureza jurídica dos Conselhos Deliberativos, bem como de suas atribuições e funções dentro das associações desportivas brasileiras. – como tal conceituados e tratados na sua criação e evolução ( itens 27, 30 e 31 da Portaria Ministerial nº 254 do Ministério da Educação e Saúde, de 01/01/1941, re-ratificados pela Deliberação 72/53, de 04/09/53 do Conselho Nacional de Desportos, esta homologada pela Portaria nº 618, de 09/09/53, do Ministério da Educação e Cultura, tudo, depois, referendado e consolidado na Lei 6251/75 e no Decreto 80.228/77. )

Os poderes de interpretação e emissão de vontade dos corpos associativos globais (Assembléias Gerais) dessas entidades, atribuídos compulsoriamente aos Conselhos Deliberativos, derivavam efetivamente de representação por determinação legal.

Ora, a todas as luzes, uma vez derrogadas essas normas – as que protegiam essa espécie de outorga - evidencia-se que desaparecidos ficaram tais poderes, justamente pelo fenecimento da dita representação. Revogação automática e inafastável.

Extinta esta a partir de 1988, para que os Conselhos Deliberativos pudessem interpretar e emitir manifestações de vontade (representar) em nome dos corpos associativos globais ( Assembléia Geral) dentro das estruturas jurídico-politica-administrativas das associações desportivas, impunha-se a promoção de outra outorga, desta vez não mais submissa à contingência legal, mas unicamente vinculada à livre vontade dos representados, os corpos associativos globais.

Até porque tal estava absolutamente compatível com os preceitos constitucionais do artigo 217, I, da Constituição Federal, já referidos.

No que incumbia às associações, observou-se a longa inércia na adoção dessas alterações.]

O Grêmio, finalmente, dezesseis anos depois da promulgação da Carta Magna, em 2004, com revisão em 2006, editou novos estatutos – promoção e aprovação (legitimação) à conta exclusiva do Conselho Deliberativo – provavelmente estribado no conceito de ato jurídico perfeito ( CF, artigo 5º, inciso XXXIX) imanente a edição do anterior (1983).

Despiciente, aqui, o ingresso na validade e eficácia das deliberações embutidas naquelas reforma e revisão, que é outro assunto e maior.

Importa, sim, é relevar-se, pontualmente, o que, lá, se estabeleceu relativamente à representação supra tratada.

No artigo 63, define o que seja Conselho Deliberativo, da seguinte forma:

“O Conselho Deliberativo é o órgão pelo qual os associados do Grêmio se manifestam coletivamente, cabendo-lhe, além das matérias de sua competência privativa, todas as atribuições que não são específicas de outros órgãos”.

Como se vê, sob o aspecto formal, repete a definição constante e consagrada na antiga ordem jurídica, pré-Constituição (Portarias Ministeriais, Deliberação do CND, Lei e Decreto antes citados), derrogada, como se viu, pela Carta Magna e pela Lei Zico.

Expõe-se ali que o corpo associativo do clube se manifesta coletivamente através do Conselho Deliberativo, valendo dizer que este interpreta e emite, com exclusividade, a vontade daquele, tanto na prática de atos e exercício de funções específicas dentro da estrutura jurídico-política-administrativa da entidade, quanto nas daquelas não cometidas expressamente a outros órgãos. Poderes soberanos.

Realce-se que, dentre as competências privativas atribuídas expressamente ao Conselho Deliberativo (art. 65, inciso XVII) e, também , dentre as não cometidas a outros órgãos do clube ( p. exemplo, a Assembléia Geral), encontra-se (dentre outras) a prerrogativa de alterar estatutos.

O artigo 63 diz, pois, que a vontade do corpo associativo , no que respeita (inclusive) às modificações estatutárias, é que incumba exclusivamente ao dito Conselho e seus membros o exame, consideração, aprovação e edição respectivos.

Já sob o aspecto substancial, o mesmo dispositivo estatutário traduz que, efetivamente, se trata de representação - tal como o já hoje estabelecido no artigo 118 e seguintes do Código Civil - o instituto de direito ali retratado, bem como a natureza da relação jurídica dali decorrente Assim, essa interpretação e emissão de vontade, atribuídas ao Conselho no artigo 63, significa a recepção de poderes para o exercício dessas prerrogativas.

(Observe-se que o dito dispositivo repete o que sobre o ponto, já expressava o antigo estatuto, editado sob as regras legais derrogadas.)

Obvia-se, por outro lado, que já inexistindo no nosso ordenamento civil, na esfera das associações desportivas, representação por determinação legal – conforme o assinalado supra – esses poderes outorgados ao representante para a promoção de tais alterações somente poderiam advir da livre vontade manifesta dos interessados (CC, artigo 118), os representados.

No caso, o corpo associativo do clube ( Assembléia Geral)

Ora, estes interessados-representados não participaram, aprovaram e/ou subscreveram as alterações estatutárias de 2004 e 2006 no Grêmio, da lavra única do Conselho Deliberativo. Portanto, não poderiam ter outorgado a este, via artigo 63, poderes representativos quaisquer, inclusive e principalmente o de alterar estatutos.

E, se não outorgaram, ausente se fez a representação, tornando absolutamente inexistente (mais que inválido) o ato jurídico retratado naquele dispositivo normativo, naturalmente com reflexos de ineficácia para todo o contexto estatutário.

Aqui, não cabe invadir-se o território da existência, validade e eficácia de todo o conteúdo daqueles estatutos.

Primeiro, porque o que interessa é somente prevenir sobre a questão, agora posta, do exame, consideração e aprovação, pelo mesmo órgão (Conselho Deliberativo), de nova alteração estatutária, tal como está prevista no edital em vigor; e, segundo, porque isso forçaria a abordagem, elongada, das razões de ser dos dispositivos do artigo 2033 do atual Código Civil, ignorado na reforma anterior (2004/2006), o que se mostra despiciente neste momento.

Restringe-se este trabalho ao alerta sobre a nulidade, de pleno direito, da promoção dessas modificações, sem a efetiva participação do corpo associativo do clube, a sua Assembléia Geral, independentemente mesmo do que rezam os claros termos do artigo 59, II, do Código Civil.

Ademais, observa-se que, no caso, poderia até haver conflito entre os eventuais interesses particulares de dois órgãos do clube, os dos representados e os dos representantes, no que concerne ao mérito das ações submissas à representação. O que apontaria também para a anulabilidade (não, nulidade) do ato.

No ponto, impende salientar adicionalmente o que dizem os artigos 117, caput, e 119, caput, do Código Civil, o primeiro aludindo a que, se não capitulada em lei ou assentado na vontade do representado, o negócio jurídico é anulável se o representante, no seu interesse, o celebrar consigo mesmo (CD auto beneficiando-se de prerrogativas); e, o segundo, dispondo que é igualmente anulável o negócio jurídico concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se o fato era do conhecimento de terceiros que com ele tratou.

Em conclusão, diante do retro-exposto e pelas razões apontadas, impõe-se a sustação da promoção das alterações estatutárias previstas no edital de convocação do Conselho Deliberativo do Grêmio Futebol Porto Alegrense, para efetuarem-se em reuniões marcadas para os dias 15 e 30 de junho próximos vindouros.

Inexiste a outorga de poderes para tal pela Assembléia Geral ao Conselho Deliberativo.

Por isso, a Questão de Ordem, emitida sob a forma de preliminar, no sentido da votação dela antes da questão de mérito.

Porto Alegre, 10 de junho de 2009

ANTONIO CARLOS DE AZAMBUJA”

Considerações adicionais:

No âmbito dessa matéria, chama atenção sobremaneira os dispositivos do artigo 122 dos Estatutos do Grêmio, onde nitidamente se percebe a intenção dos patrocinadores em trazer, forçadamente, para o abrigo do Conselho Deliberativo, nesse tema da reforma dos estatutos, todos os poderes político-jurídicos do clube, isolando os membros da Assembléia Geral de interferência aí.

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De pronto, observa-se um fato surreal: quando se diz que uma disposição do Código Civil poderia (ou não) ter a sua “aplicação definitivamente obrigatória para as entidades de prática desportiva”, traduz-se que , para os mentores do texto, a lei, em certas situações, pode ter sua eficácia condicionada a um “reconhecimento” (do que e por quem ?), sob pena de inaplicabilidade, o que deveras é um absurdo.

Ademais, segundo o texto, uma vez admitida a validade da norma, então a competência prevista naquele artigo ( do Conselho Deliberativo) “passaria à Assembléia Geral”, significando que este órgão somente poderia exercer os poderes a si atribuidos pelo Código Civil se o tal “reconhecimento” inocorresse, o que se constitui num segundo absurdo.

De outra parte, no inciso I se dispõe que, com ou sem o tal “reconhecimento”, ou seja, em qualquer situação ou ocasião, a iniciativa da proposta de alteração estatutária deveria partir do Conselho Deliberativo, podendo as decisões que este tomasse serem submetidas à simples ratificação do órgão competente (no caso, a Assembléia Geral).

Terceiro absurdo.

O que se vê é um caso típico de usurpação de poderes.

Com o que, então, o CD – uma minoria associativa - autopromove-se à condição de estipulante exclusivo do que, quando, como e porque deve ser mudado nos estatutos, reservando, ele próprio, sodalício, o poder de inadmitir, por parte da Assembléia Geral, retificações ou alterações à proposta subscrita. Reservou-se poderes ilimitados.

Isso não é tão somente inconstitucional.

Trata-se de uma exibição de autocracia, prepotência e arbitrariedade inomináveis.

Subtrair a iniciativa de quem tem poderes totais de promover alterações estatuárias é castrar o órgão a quem a ordem civil concedeu poderes exclusivos e ilimitados para isso, sem qualquer justificativa lógica e de direito.

Desnecessárias maiores considerações a respeito.

Os estatutos aprovados são nulos de pleno direito e nem o seu registro no Cartório Especial irá convalidar o ali disposto. Não se convalidam atos nulos.

Repete-se aqui o que, ao início se disse: tal registro, à vista das condições da sua aprovação, tem eficácia restrita à teoria da aparência, útil tão somente para resguardo da boa-fé de terceiros. E só.

Conclusão

O principal dos efeitos derivados dessa flagrante ilegalidade constitui-se na aprovação, exclusivamente pelo Conselho Deliberativo do Grêmio, do Projeto ARENA, o qual, independentemente do que dispusessem os estatutos, deveria passar pelo exame e aprovação da Assembléia Geral do clube, que não outorgou poderes àquele órgão para decidir por ela nesse tema, tal como deveria fazê-lo à luz da constituição e da lei.

Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2011

Associação dos Gremistas Patrimoniais

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